terça-feira, 7 de maio de 2013

Texto tirado do blog amitampoco.blogspot.com...Eu estava saindo do restaurante Sóton em Ouro Preto e ouvi duas garotas perguntarem a alguém sobre uma cachaçaria, não deu outra, fui até elas falar sobre o bar do titino que fica na rua da biblioteca, mas no meio do caminho meus comentários a asustaram e desistiram de me acompanhar até lá.Encontrei este texto digitado por uma delas em seu próprio blog.

Diário de viagem - III

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Terça-feira, 11 de novembro de 2008, 23h30
- Vocês estão procurando uma cachaçaria?
De fato, nós estávamos em busca de uma cachaçaria. Nós éramos, aliás, duas turistas em Ouro Preto procurando uma cachaçaria no meio da noite. Alguém no bar em frente havia dito: “nessa ruazinha aqui tem uma”, e quando estávamos a dois passos de entrar na tal cachaçaria, alguém gritou “Ei!” e veio correndo na nossa direção. Era baixinho, moreno, e tinha cabelos na altura do ombro.

- Eu conheço uma cachaçaria ótima! Posso levar vocês até lá.
Eu olhei pra Manu desconfiada, mas ela me olhou com curiosidade.

- Não precisa, não. A gente vai nessa aqui mesmo. Obrigada – eu disse, sorrindo polidamente.
- Mas a outra é bem mais legal. E é aqui pertinho. Eu levo vocês lá, vamos!
Olhei pra Manu com cara de “nem pensar”, mas ela me olhou com cara de “ué, de repente”.

- A que distância fica daqui, mais ou menos? – perguntou Manu, interessada.

- Ah... uns 100... 200 metros...
Fiz cara de “parece longe”, Manu de “parece perto”.

- Vamos, meninas! Vocês vão gostar!
Manu me olhou.

- Vamos?
Eu não queria ser antipática com moço tão solícito, nem anti-social na nossa primeira noite em Ouro Preto. Mas algo me dizia que nós não estávamos num filme do Woody Allen, não éramos duas americanas em Barcelona, e o rapaz, definitivamente, não tinha o poder de persuasão do Javier Bardem.

- Ok. Vamos. – eu disse.

E fomos. Ele se apresentou como “Joker Índio, o poeta de todas as ruas” e começou a falar euforicamente. Duas quadras depois, já estava recitando suas poesias (“que o nosso amor se eternize / nas suas varizes!”, declamava empolgado), e a gente ria, balançando a cabeça como quem diz “que figura, hein”. E fomos descendo, descendo, passamos por uma igreja do Aleijadinho, outra igreja do Aleijadinho, depois um cemitério, e as ruas foram ficando escuras e desertas, e mais escuras, e mais desertas, então eu comecei a interromper o falatório de Joker Índio numa mescla crescente de nervosismo/irritação: falta muito? onde é, afinal? logo ali onde??? ONDE???

Mas Joker Índio sorria confiante, situação dominada.

- Não se preocupem, meninas... Eu sei, vocês agora devem estar pensando naquele motoboy que matava mulheres em lugares escuros... Mas, ó, eu sou de confiança! Fiquem tranqüilas...
Ah, claro que ele é de confiança, pensei. Ele nunca diria que não é de confiança. Eu não havia pensado no tal motoboy, mas agora estava pensando, e muito. Prestes a penetrar com minha amiga e um desconhecido em mais um trecho escuro de mais uma ladeira, eu estaqueei.

- Manu, quero voltar.
Por sorte, Manu me olhou com cara de “eu também, eu também!” e consentiu na mesma hora. Mas Joker Índio se negou a aceitar a idéia.

- Mas mas... é logo ali! Falta tão pouquinho agora... Vamos!
- Olha, Joker Índio – eu disse, reunindo todo o meu tato diplomático – valeu a boa vontade, foi muita gentileza sua nos acompanhar, mas a sua cachaçaria é muito longe, e nós vamos voltar. Tchau.
- Nãããão! Não façam isso... Vamos, por favooor!
"Por favor"? Joker Índio parecia ter uma baixíssima tolerância a "nãos", mas "por favor" já era demais. Fui obrigada a dizer-lhe algo horrível. Olhei fundo dentro dos seus olhos e falei:

- Não insista.

Ele seguiu, inconformado, ladeira abaixo. Nós voltamos, apavoradas, mas vivas, Ouro Preto acima.


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